Ontem foi publicada uma novidade no catálogo da Editora Dracaena. A Invenção da Pré-história foi escrita por Giscard Farias Agra, que nos concedeu uma entrevista, falando um pouco sobre seu livro.
Por que resolveu escrever o livro?
Resolvi escrevê-lo como resultado de uma preocupação: a percepção da submissão de uma pluralidade de conhecimentos ao conhecimento produzido pela Arqueologia. A Arqueologia, de certa maneira, construiu-se nos últimos dois séculos como o campo privilegiado de estudo sobre a Pré-História, submetendo todos os outros discursos ao seu, à sua técnica e à sua metodologia, supostamente objetiva e científica, “verdadeira”, portanto. E os historiadores também entraram nessa. Entretanto, desde pelo menos a década de 1960, as “ciências humanas”, dentre elas, alguns ramos da História, estão trabalhando na desnaturalização das verdades, dos conceitos, pretendendo demonstrar como os valores são culturais, histórica e socialmente construídos, e não naturais, eternos, buscando, assim, não a “verdade dos fatos”, como buscavam os historiadores do século XIX, mas os modos como tais “verdades” foram construídas. O problema é que essa discussão, de maneira geral, passa à margem da “Pré-História”. Não me parece que já tenha havido uma problematização da construção da “Pré-História” feita pela Arqueologia, ou seja, muitos de meus colegas historiadores simplesmente não conseguem olhar para este objeto, a “Pré-História”, com um olhar diferente daquele que a Arqueologia lhe lançou, não o percebendo como um elemento que tem uma história, que nem sempre foi a mesma e que, por conta disso, não é natural. Não conseguem porque enxergam a “Pré-História” não com olhos de historiadores, mas com olhos arqueológicos, tentando escavar a verdade como quem escava ossos. Minha proposta com “A invenção da Pré-História” é justamente recolocar o olhar de historiador sobre esse acontecimento, e isto implica não em romper com a Arqueologia, mas em perceber como o próprio saber arqueológico é histórico e, portanto, mutável.
Por que o tema é Pré-história e não outra etapa da história?
Porque durante o tempo que trabalhei com essa disciplina na graduação do curso de História pude perceber como ela é vista com grande preconceito tanto entre os alunos quanto entre os próprios professores. Pré-História é aquela disciplina que geralmente está no primeiro semestre do curso de graduação e que serve como uma “antessala” para a “História de verdade”. Muitos alunos não gostam de estudá-la porque gostariam de “chegar logo na História”, e professores não gostam de lecioná-la por conta de uma suposta “falta de certeza” que o estudo de sociedades “tão longínquas” no tempo proporciona. Persiste, portanto, um tremendo preconceito contra a “Pré-História”, considerando-a um objeto de menor valor para o historiador, que supostamente trabalha com a certeza do fato. Ora, se admitimos que a História não é um dado, não é uma sequência linear e continuísta de eventos e períodos, e que não somente documentos escritos, mas quaisquer meios de acesso ao passado podem ser considerados fontes históricas, como os Annales propõem desde o início do século XX, e que, como tais, elas não me dão uma certeza sobre o que aconteceu, mas possibilidades de pensar sobre o que pode ter acontecido, então não há mais que ver a “Pré-História” como um período anterior à “História de verdade”, ou seja, a “Pré-História”, tal como todos os demais “períodos históricos” não são dados, não são naturais, mas estão em constante elaboração e reelaborações, fazem parte da História que estamos continuamente produzindo enquanto agentes.
Eu particularmente, amo história, por que eu tenho curiosidade sobre como as pessoas eram antigamente.
A História é fascinante em todos os sentidos. As renovações metodológicas pelas quais o campo historiográfico passou ao longo do século XX, especialmente, fizeram-na abarcar tamanha quantidade de temas que a tornou mais próxima de nossas vidas. Hoje, apesar de uma multiplicidade de correntes metodologicamente diferentes, uma ideia está presente em todas elas: a percepção de que todos somos sujeitos históricos, somos agentes da História, construtores dela. Não vinga mais a ideia de que a História é feita apenas pelos “grandes homens”, entendendo-se por “grandes” aqueles ligados ao governo dos Estados. A História é feita por todas as pessoas, individualmente e/ou em coletivo, pelos políticos, pelos comerciantes, pelos operários, pelos homens, pelas mulheres, pelas crianças, pelos idosos, pelos brancos, pelos negros, pelos ricos, pelos pobres, por você, por mim, e assim por diante. Mas nem sempre foi assim. As contradições internas, presentes em todos os tipos de constituições sociais, existem e existiram. Como essas pessoas lidavam com tais contradições? Como foi possível a produção da vida em sociedade para elas? Se nós vivemos hoje em uma sociedade repleta de conflitos, os homens e as mulheres do passado também viviam seus próprios conflitos, entretanto, a vida foi possível. A História nos mostra, portanto, variadas maneiras de como essas sociedades anteriores à nossa lidaram com suas contradições, fazendo-nos perceber que os nossos meios não são melhores nem piores do que os do passado, mas são mecanismos que obedecem a uma lógica diferenciada, a partir de culturas diferentes. Mas humanas, demasiado humanas, nas palavras do Nietzsche.
Comente um pouco sobre o livro. O que podemos esperar dele?
O que se pode esperar de “A invenção da Pré-História” é uma desestabilização de conceitos cristalizados, apreendidos na escola e naturalizados sobre um passado longínquo. Alguns sentirão o chão sobre o qual pisam, que parece ser estável o suficiente, portanto, seguro, tremer, vacilar e até mesmo rachar. São essas rachaduras nas certezas do conhecimento que busco no livro. Todas as certezas que temos são conhecimentos produzidos historicamente – novamente, remeto-me a Nietzsche. Desta maneira, o que se pode esperar do livro é que ele questione, rache, destrua as “certezas” que temos sobre a “Pré-História” e, com isso, as “certezas” que temos até mesmo sobre nossas supostas “origens humanas”.
Como foi o processo de escrita? Foi necessária alguma pesquisa a mais?
A escrita foi relativamente rápida, pois foi feita após quase dois anos de investigação. Entretanto, sempre que escrevemos sobre alguma coisa, estamos também pesquisando sobre o objeto, então, houve sim pesquisa ao longo de todo o processo de escrita. Até mesmo porque este é um campo em que se está sempre descobrindo alguma coisa nova, um osso ou uma ossada, uma rocha, pinturas, uma nova espécie de hominídeo, e não raramente a nova descoberta é propalada como sendo um novo marco, o que nem sempre se verifica.
Você julga esse livro necessário para o conhecimento das pessoas?
Claro, até porque se eu dissesse que não estaria advogando contra mim mesmo, não? (risos). Penso que o que trago no livro não sirva apenas para pesquisadores de um suposto período “pré-histórico”, mas que sirva para nós todos repensarmos os lugares em que estamos, as certezas que pensamos ter, os valores que tanto defendemos – muitas vezes até sem saber o porquê. Creio que a percepção de que somos seres históricos, vivendo a partir de um conjunto de enunciados também históricos, e não naturais, ajuda a que nós percebamos as diferenças não enquanto desvios, anormalidades ou aberrações, mas enquanto diferentes escolhas culturais, o que, espero, possa promover uma melhoria de vida. E isso nossa sociedade hoje está precisando muito. Aprender a lidar com a diferença.
Como foi o processo da procura por uma editora?
Foi árduo, com certeza. O texto foi escrito em 2009 e eu só consegui chegar à Dracaena em 2011. Passei quase dois anos sondando editoras, buscando alguma onde eu pudesse publicar este livro e que ele não ficasse tão somente emperrado por anos num longo processo que, quando finalmente saísse, já estivesse completamente desatualizado. A Dracaena, por sua vez, mostrou-se, desde o primeiro contato, extremamente responsável, atenciosa, profissional e – o que é tão importante quanto – rápida, sem pecar na qualidade. Depois do primeiro contato telefônico que tive com Léo Kades coloquei na cabeça que era pela Dracaena que “A invenção da Pré-História” viria à luz.
Você ficou satisfeito com toda a diagramação, capa e edição?
Sim, muito. Todo o trabalho, desde a revisão, a diagramação até a elaboração da capa, trabalhos de profissionais muito responsáveis. Até já expressei minha satisfação ao grupo, especialmente pela capa do livro que não foi ideia minha – na verdade eu estava sem ideia para ela (risos) – mas que desde a primeira vez que a vi inicialmente esboçada senti que seria uma coisa belíssima, como realmente ficou.
Deixe um recado para seus futuros leitores.
Bem, espero que, ao adquirirem e lerem “A invenção da Pré-História”, vocês possam se sentir tão angustiados e sem chão como eu me senti várias vezes ao longo de minha constante formação como historiador (risos). Mas é sério, esse sentimento provém do confronto entre enunciados distintos, especialmente quando o novo estabelece conflito frontal com o antigo. O conhecimento que produzimos só é eficaz se consegue fazer com que a pessoa pense a si mesmo e ao mundo por outros valores que não aqueles que já estão consolidados, que lhe parecem “certos”. Espero, portanto, que “A invenção da Pré-História” seja a fagulha a acender em todos novas maneiras de pensar, não necessariamente iguais às minhas, mas maneiras próprias, oriundas de escolhas e busca da felicidade, e não de imposições.
Saiba mais sobre a pré-venda na divulgação feita no blog ou pela divulgação do blog da Dracaena.
Por que resolveu escrever o livro?
Resolvi escrevê-lo como resultado de uma preocupação: a percepção da submissão de uma pluralidade de conhecimentos ao conhecimento produzido pela Arqueologia. A Arqueologia, de certa maneira, construiu-se nos últimos dois séculos como o campo privilegiado de estudo sobre a Pré-História, submetendo todos os outros discursos ao seu, à sua técnica e à sua metodologia, supostamente objetiva e científica, “verdadeira”, portanto. E os historiadores também entraram nessa. Entretanto, desde pelo menos a década de 1960, as “ciências humanas”, dentre elas, alguns ramos da História, estão trabalhando na desnaturalização das verdades, dos conceitos, pretendendo demonstrar como os valores são culturais, histórica e socialmente construídos, e não naturais, eternos, buscando, assim, não a “verdade dos fatos”, como buscavam os historiadores do século XIX, mas os modos como tais “verdades” foram construídas. O problema é que essa discussão, de maneira geral, passa à margem da “Pré-História”. Não me parece que já tenha havido uma problematização da construção da “Pré-História” feita pela Arqueologia, ou seja, muitos de meus colegas historiadores simplesmente não conseguem olhar para este objeto, a “Pré-História”, com um olhar diferente daquele que a Arqueologia lhe lançou, não o percebendo como um elemento que tem uma história, que nem sempre foi a mesma e que, por conta disso, não é natural. Não conseguem porque enxergam a “Pré-História” não com olhos de historiadores, mas com olhos arqueológicos, tentando escavar a verdade como quem escava ossos. Minha proposta com “A invenção da Pré-História” é justamente recolocar o olhar de historiador sobre esse acontecimento, e isto implica não em romper com a Arqueologia, mas em perceber como o próprio saber arqueológico é histórico e, portanto, mutável.
Por que o tema é Pré-história e não outra etapa da história?
Porque durante o tempo que trabalhei com essa disciplina na graduação do curso de História pude perceber como ela é vista com grande preconceito tanto entre os alunos quanto entre os próprios professores. Pré-História é aquela disciplina que geralmente está no primeiro semestre do curso de graduação e que serve como uma “antessala” para a “História de verdade”. Muitos alunos não gostam de estudá-la porque gostariam de “chegar logo na História”, e professores não gostam de lecioná-la por conta de uma suposta “falta de certeza” que o estudo de sociedades “tão longínquas” no tempo proporciona. Persiste, portanto, um tremendo preconceito contra a “Pré-História”, considerando-a um objeto de menor valor para o historiador, que supostamente trabalha com a certeza do fato. Ora, se admitimos que a História não é um dado, não é uma sequência linear e continuísta de eventos e períodos, e que não somente documentos escritos, mas quaisquer meios de acesso ao passado podem ser considerados fontes históricas, como os Annales propõem desde o início do século XX, e que, como tais, elas não me dão uma certeza sobre o que aconteceu, mas possibilidades de pensar sobre o que pode ter acontecido, então não há mais que ver a “Pré-História” como um período anterior à “História de verdade”, ou seja, a “Pré-História”, tal como todos os demais “períodos históricos” não são dados, não são naturais, mas estão em constante elaboração e reelaborações, fazem parte da História que estamos continuamente produzindo enquanto agentes.
Eu particularmente, amo história, por que eu tenho curiosidade sobre como as pessoas eram antigamente.
A História é fascinante em todos os sentidos. As renovações metodológicas pelas quais o campo historiográfico passou ao longo do século XX, especialmente, fizeram-na abarcar tamanha quantidade de temas que a tornou mais próxima de nossas vidas. Hoje, apesar de uma multiplicidade de correntes metodologicamente diferentes, uma ideia está presente em todas elas: a percepção de que todos somos sujeitos históricos, somos agentes da História, construtores dela. Não vinga mais a ideia de que a História é feita apenas pelos “grandes homens”, entendendo-se por “grandes” aqueles ligados ao governo dos Estados. A História é feita por todas as pessoas, individualmente e/ou em coletivo, pelos políticos, pelos comerciantes, pelos operários, pelos homens, pelas mulheres, pelas crianças, pelos idosos, pelos brancos, pelos negros, pelos ricos, pelos pobres, por você, por mim, e assim por diante. Mas nem sempre foi assim. As contradições internas, presentes em todos os tipos de constituições sociais, existem e existiram. Como essas pessoas lidavam com tais contradições? Como foi possível a produção da vida em sociedade para elas? Se nós vivemos hoje em uma sociedade repleta de conflitos, os homens e as mulheres do passado também viviam seus próprios conflitos, entretanto, a vida foi possível. A História nos mostra, portanto, variadas maneiras de como essas sociedades anteriores à nossa lidaram com suas contradições, fazendo-nos perceber que os nossos meios não são melhores nem piores do que os do passado, mas são mecanismos que obedecem a uma lógica diferenciada, a partir de culturas diferentes. Mas humanas, demasiado humanas, nas palavras do Nietzsche.
Comente um pouco sobre o livro. O que podemos esperar dele?
O que se pode esperar de “A invenção da Pré-História” é uma desestabilização de conceitos cristalizados, apreendidos na escola e naturalizados sobre um passado longínquo. Alguns sentirão o chão sobre o qual pisam, que parece ser estável o suficiente, portanto, seguro, tremer, vacilar e até mesmo rachar. São essas rachaduras nas certezas do conhecimento que busco no livro. Todas as certezas que temos são conhecimentos produzidos historicamente – novamente, remeto-me a Nietzsche. Desta maneira, o que se pode esperar do livro é que ele questione, rache, destrua as “certezas” que temos sobre a “Pré-História” e, com isso, as “certezas” que temos até mesmo sobre nossas supostas “origens humanas”.
Como foi o processo de escrita? Foi necessária alguma pesquisa a mais?
A escrita foi relativamente rápida, pois foi feita após quase dois anos de investigação. Entretanto, sempre que escrevemos sobre alguma coisa, estamos também pesquisando sobre o objeto, então, houve sim pesquisa ao longo de todo o processo de escrita. Até mesmo porque este é um campo em que se está sempre descobrindo alguma coisa nova, um osso ou uma ossada, uma rocha, pinturas, uma nova espécie de hominídeo, e não raramente a nova descoberta é propalada como sendo um novo marco, o que nem sempre se verifica.
Você julga esse livro necessário para o conhecimento das pessoas?
Claro, até porque se eu dissesse que não estaria advogando contra mim mesmo, não? (risos). Penso que o que trago no livro não sirva apenas para pesquisadores de um suposto período “pré-histórico”, mas que sirva para nós todos repensarmos os lugares em que estamos, as certezas que pensamos ter, os valores que tanto defendemos – muitas vezes até sem saber o porquê. Creio que a percepção de que somos seres históricos, vivendo a partir de um conjunto de enunciados também históricos, e não naturais, ajuda a que nós percebamos as diferenças não enquanto desvios, anormalidades ou aberrações, mas enquanto diferentes escolhas culturais, o que, espero, possa promover uma melhoria de vida. E isso nossa sociedade hoje está precisando muito. Aprender a lidar com a diferença.
Como foi o processo da procura por uma editora?
Foi árduo, com certeza. O texto foi escrito em 2009 e eu só consegui chegar à Dracaena em 2011. Passei quase dois anos sondando editoras, buscando alguma onde eu pudesse publicar este livro e que ele não ficasse tão somente emperrado por anos num longo processo que, quando finalmente saísse, já estivesse completamente desatualizado. A Dracaena, por sua vez, mostrou-se, desde o primeiro contato, extremamente responsável, atenciosa, profissional e – o que é tão importante quanto – rápida, sem pecar na qualidade. Depois do primeiro contato telefônico que tive com Léo Kades coloquei na cabeça que era pela Dracaena que “A invenção da Pré-História” viria à luz.
Você ficou satisfeito com toda a diagramação, capa e edição?
Sim, muito. Todo o trabalho, desde a revisão, a diagramação até a elaboração da capa, trabalhos de profissionais muito responsáveis. Até já expressei minha satisfação ao grupo, especialmente pela capa do livro que não foi ideia minha – na verdade eu estava sem ideia para ela (risos) – mas que desde a primeira vez que a vi inicialmente esboçada senti que seria uma coisa belíssima, como realmente ficou.
Deixe um recado para seus futuros leitores.
Bem, espero que, ao adquirirem e lerem “A invenção da Pré-História”, vocês possam se sentir tão angustiados e sem chão como eu me senti várias vezes ao longo de minha constante formação como historiador (risos). Mas é sério, esse sentimento provém do confronto entre enunciados distintos, especialmente quando o novo estabelece conflito frontal com o antigo. O conhecimento que produzimos só é eficaz se consegue fazer com que a pessoa pense a si mesmo e ao mundo por outros valores que não aqueles que já estão consolidados, que lhe parecem “certos”. Espero, portanto, que “A invenção da Pré-História” seja a fagulha a acender em todos novas maneiras de pensar, não necessariamente iguais às minhas, mas maneiras próprias, oriundas de escolhas e busca da felicidade, e não de imposições.
Saiba mais sobre a pré-venda na divulgação feita no blog ou pela divulgação do blog da Dracaena.
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